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domingo, 3 de novembro de 2013

Obituário

Obituário:  Encontrado morto o senhorito José da Silva.

Numa esquina dessas quaisquer,
repousava sem paz o senhorito José.
Com chapéu na cabeça e buraco no peito
Na verdade, José, já havia desfeito
o nó cego de seu coração
antes mesmo de haver aquela confusão.

Dias atrás andava apressado
Suor no cabelo, cadarço folgado
Levava na mão uma flor de papel
A flor que escreveu seu destino cruel.

José por Maria apaixonou-se
E todos os dias, um doce lhe trouxe.
Maria da janela esperava o rapaz
Não sabia ao certo se ele viria mais.
Batia o coração em ritmo de esperança...
Surgia José! E começava a dança.
Ele olhava daqui, ela olhava de lá
Um sorriso no canto da boca a raiar
Quando a moça avermelhava de tanta vergonha
Deixava a cabeça de José em parafuuusos...
O moço recompunha-se ligeiramente
Mas no próximo instante tornava a sorrir
A sua moça mais bela teria logo que partir.
Quando se aproximava, baixava o olhar
Discrição, José, tente se acalmar.
Ele parou em frente a janela
E olhou nos olhos da sua donzela.
Tirou do bolso o tal do docinho
E Entregou a Maria com todo carinho
Que recebeu o bombom e guardou no avental
O encontro desmarcado acabava afinal.

A conversa muda do mundo escondiam
Mas encontravam-se assim sempre que podiam.
O peito de José acalentava-se em dor
Quando não podia encontrar seu amor.

José amava Maria que era esposa de João
João amava Maria, mas era um vilão.
Maria sofria o pão do diabo
João maltrava Maria.
Era um homem descontrolado.
A noite, em casa, mal lhe olhava
Maria pra João era só uma escrava.
“Estou cansado. Traga minha comida!”
E o suor de Maria inundava sua vida.
Nem um sorriso, ou mesmo um obrigada.
João só esbravejava.
E quando a vida dos trilhos saía
João, sem hesitar, maltratava Maria.
Um dia João derrubou um copo
Como se culpa da esposa fosse,
Pegou Maria pelos cabelos
Arrastou até o copo quebrado
E jogando-a no chão disse muito zangado:
“Quem manda deixar tudo espalhado pela casa,
Vadia, desleixada, não presta pra nada!”
Maria chorava, que mais podia fazer?
Tinha medo do mal que poderia sofrer.

No outro dia, na janela, José olhou pra Maria
E naqueles olhinhos não viu nenhuma alegria.
Ele sentiu no fundo do seu coração
A tristeza da amada rasgara-lhe do céu ao chão.

E aí José escreveu um bilhete
E embrulhou no bombom aquele lembrete
“Minha doce e querida Maria,
Não te ver na janela é perder o meu dia
Por favor, senhora dos meus pensamentos
Não me deixe passar sem sentir os teus ventos
A brisa suave que emana teu cheiro
Que pra meu viver serve de tempeiro!
Atenção, Maria do meu coração.
Dar-lhe-ei um sinal pra largar do João.
Quando estiver tudo pronto, levarei uma flor
Será um símbolo eterno do meu amor.
No outro dia, às 6, na estação de espero
Leve só uma roupa simples sem muito esmero.
Minha maior alegria é te tirar desse inferno
Acabar de uma vez com esse triste inverno
Correr livre e abraçar tudo que nos espera:
No jardim da nossa vida florescerá a primavera!”

Maria sorrindo beijou o recado
Porém sabia que guardá-lo seria um pecado.
Mas as palavras de João eram de uma formosura
Que só de olhar ela se enchia de ternura
Com todo cuidado, a cartinha, ela guardou
E para que João não encontrasse, Maria rezou
Mas não teve jeito...
O famigerado perdeu uma nota, uma coisa sem valor
E ao procurar, adivinha o que achou.
O corpo dele queimou num calor de fúria
Sua boca cerrada encheu-se de injúrias
Mas então deixou sua esperteza falar
E calou qualquer reação sem pensar.
João ficou de olho nos encontros de Maria
E a cada sorriso da dama, de ódio seu corpo tremia.

Um dia, de longe, ele avistou José

Flor na mão
Suor na testa
Sorriso no rosto
O nosso mocinho corria atrás da liberdade
Avistou de longe a janela da felicidade
Maria notou o presente do amado
Não era bombom,
O dia havia chegado!!
Respirou fundo, sorriu e olhou pro rapaz
Seu peito se enchia de ansiedade e paz.
Nesse dia, José não conteve a palavra
Sem medo, o senhorito, sussurrou pra amada:
“Maria, eu te amo...”
Aaah, voz mais linda não havera de ter
Maria nem conseguia se conter.
Recebeu a flor, segurou a mão
Na hora do toque, quase que o peito furava das batidas do coração!
Beijou uma, depois beijou a outra.
Depois José seguiu seu caminho
A fuga toda estava aprontada
Era só espera pra cair nos braços da amada.

Ao ver aquela cena
João sorriu com pena
E a alma carregada de ironia.
Foi atrás José
Quando ele entrou em casa,
João entrou atrás
E surpreendeu o distraído rapaz.
“Sabe quem eu sou e o que estou aqui”
Disse João cruel a sorrir.
“Maria não merece essa vid...”

A última letra foi engolida pelo murro que despontara João na barriga de José. Sem ar, o homem caiu ao chão, totalmente sem reação. Mais alguns chutes e estava desacordado. João levou José até uma esquina sombria ao lado. Amarrou suas mãos e seus pés e esperou que ele acordasse... José acordou. Iniciava-se ali o maior pesadelo de sua vida. João, com uma faca meio cega, abriu o peito do nosso mocinho sem deixar que a lâmina chegasse ao coração, com um golpe, abriu suas costelas e lá estava o órgão do amor a bater. Me recuso a descrever a dor de José que, apesar de tudo, sentia mais dor pensando no que seria de Maria.
De sua doce Maria.
José morria e seria deixado ali... O monstro arrancou fora seu coração e guardou numa caixa de madeira. Voltou para casa após se limpar e apenas dormiu. Maria tinha um mau pressentimento. Mas arrumou a roupa pouca na bolsa e esperou que a noite, dia virasse, e a hora marcada chegasse. Ela levantou num pulo e quando João percebeu também despertou. Banhou-se, perfumou-se... Prendera uma linda flor de papel que ganhara no dia anterior no cabelo. Quando abrisse a porta, seria primavera e tudo estaria bem. Mas ao sair do quarto, o marido já estava a mesa, caprichosamente deixada posta por ela mesma na noite anterior.
– Sente! – ordenou João.
Maria sentou-se. Notou uma bandeja em seu lugar na mesa. Que João gentilmente destampou. O cheiro de podridão encheu a atmosfera. O órgão não mais tão vermelho estava frio, imóvel e teso em sua frente. Sem saber do que se tratava, Maria, com muito medo, gaguejou:
– O q-que signiff-fica isso, João? – Uma lágrima já rolava em seu rosto. João sorriu e respondeu:
– Você não queria o amor de José? Pois te dou o coração dele numa bandeja. – e, com a mesma frieza que falou, estendeu a xícara até o bule e começou a preparar seu café.
Maria levantou-se enojada e ainda não entendia direito a situação, mas um grande desespero já crescia dentro de si. Lágrimas caíam de seus olhos, mas o silêncio reinou naquela casa. Ouviam-se apenas os passos de Maria Caminhando até a porta. Colocou o pé na rua, caminhou, rumo a estação. 

Virou numa dessas esquinas quaisquer,
E morto, no chão, ela viu José.

Os gritos da dama foram ouvidos a quarteirões dali. Ela o abraçou e beijou sua boca. Seu pranto poderia encher aquele buraco no peito do rapaz. As pessoas não conseguiram virar a esquina. A dor de Maria era tão grande e seus gritos tão intensos que criou um tipo de barreira. As pessoas não chegavam perto pois podiam, de longe, sentir a dor da mulher. O socorro chegou, mas não tinha o que socorrer, também os profissionais respeitaram aquela tristeza.
O espetáculo de dor que se dava naquela dessas esquinas quaisquer durou o tempo certo da morte da mulher. À medida que seus gritos calavam-se, seu coração batia mais devagar.  Quando sobrou apenas uma batida, ouviu-se um último gemido. Quem estava ali conta que aquele gemido apesar de mais fraco foi o mais forte. Misturava dor, tortura, amor, decepção, desejo e todos os sentimentos que se possa carregar. Os poucos espectadores que restaram e presenciaram o gemido, gemeram junto a nossa dama.

Estava morto
Morto enfim.
Naquele dia
Um amor de 4 palavras e 2 beijos inundava o universo
As 4 palavras mais sinceras pairavam sobre o silêncio
Nunca mais viveria
Morto enfim.
O prazer daqueles beijos inocentes emolduravam os planos
Que nunca se realizaram
Nunca mais a veria!
Nunca mais o veria!
Nunca viveria
Morto
e fim...

Obituário: Morre hoje senhorita Maria
Dizem todos que morreu de agonia
Deitada sobre o peito daquele que amava
Até a morte, Maria chorava
A mulher não aguentou tanta dor
Sem dúvida nenhuma morreu foi de amor

E então numa dessas esquinas quaisquer

Jazia Maria amando José...

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